24/07/2009

As Histórias do Amadeu

Na época em que parou de trabalhar, o Amadeu não ligava muito pra isso de tecnologia. Male-male usava o controle-remoto do videocassete – sensação da época. A Flavinha sua filha, era a responsável por ler, entender e repassar aos pais, todas as informações dos manuais, além de por as coisas pra funcionar. Mas depois que foi embora morar com o namorado, deixou pai e mãe órfãos nessa questão. A última coisa que fez foi ensinar o pai a usar o telefone celular. Usar não, ensinou ele a fazer e atender as ligações. Pra por no vibracall era o fim do mundo.
Freqüentemente, durante as partidas de dominó, o Amadeu conversava com os amigos sobre vários assuntos e a discussão sobre a dificuldade com os eletrônicos sempre vinha à tona.
- Vocês viram o celular novo que eu ganhei de aniversário de casamento? Tem até MP3.
- Que coisa é essa Carlos? MP3? – pergunta o Amadeu curioso.
- É um sistema pra tocar músicas. Você grava no computador as músicas que você quer ouvir, e depois transfere pro celular. Pra ouvir é só por esses fonezinhos aqui ó.
- Ah, lembrei! A Flavinha já tinha me mostrado um radinho que ela tem com esse tal MP3. Mas assim no celular eu nunca tinha visto não.
- É coisa de tecnologia né Amadeu! Você nunca ouviu falar? Computador você conhece, né?
- Claro que sim né Carlos! Mas o que tinha lá em casa a Flavinha levou embora quando foi morar com aquele mané. E eu nunca mexi. Nem sei como funciona! Mas vem cá, e esse telefone aí? Faz ligação também ou só toca música?
- Se por crédito faz normal, mas ainda não carreguei não.

Amadeu ficou encantado com a novidade. Um celular que toca música no fonezinho, quem diria. Ele achou o máximo! “Mas e se tocar o telefone, como vou saber? E pra atender? Tem que desligar a música?” Melhor deixar pra lá. Outra hora ele pergunta pro Carlos , aliás, não tinha nem computador em casa. E outra, também não podia ficar mostrando pros amigos em plena mesa de dominó, que não sabe o que é MP3. Basta os “micos” que a Marilda fazia ele pagar.
No outro dia, na caminhada, eis que o Carlos aparece com o tal celular e seus fonezinhos.
- E aí Carlos, vai caminhar assim com esse troço ai pendurado?
- Claro! Enquanto caminho, ouço um Paulinho da Viola de primeira! Nem vou lembrar das safenas que carrego aqui no peito.
O Amadeu então resolve que daquele dia em diante ia se inteirar completamente sobre essas coisas modernas. Não podia, mesmo com essa idade, deixar de saber delas. Ainda mais depois daquela manhã em que não conseguiu conversar com o com o amigo enquanto caminhava, sentiu-se muito só, ao contrário do amigo que tinha arranjado um novo companheiro – o tal celular com MP3.
A primeira providencia que tomou após o banho, foi ligar - do celular - pra Flavinha.
- Oi filha, tudo bem?
- Diga pai. Que surpresa é essa? Aconteceu alguma coisa?
- Não. É que resolvi comprar um computador e queria uma opinião sua.
- Mas pai, o senhor não sabe ligar nem a TV direito! O que te deu?
- Ah, Flávia, não dá pra ficar desatualizado né? E outra, cansei de ficar jogando dominó o dia inteiro.
- Olha só o pai! É assim que se fala!
- Você me ajuda então filha?
- Pode deixar. Semana que vem vou arrumar um tempinho pra ir aí, e conversamos tá?
- Tá bom filha.
- Tchau, beijo. Dá um beijo na mãe.
- Dou sim. Tchau!
E desligou o celular. Ficou olhando pro aparelho assim com jeito de quem queria desmontá-lo pra saber o que tinha lá dentro. Queria desvendar os segredos da tecnologia. Bendito MP3!
Pronto. O primeiro passo tava dado. Agora vinha a parte mais difícil: convencer a Marilda de incluir mais uma despesa nas contas do mês. O computador tinha que ser financiado né? Afinal, benefício de aposentado é aquela coisa!

10/07/2009

IMPACIÊNCIA TOLERADA


Uma amiga esses dias me contou a seguinte história:

“Pensei que era porque eu era mulher, mas prestando bem atenção, percebi que não acontece só comigo não, graças à Deus! A coisa é generalizada, e acontece com qualquer um.

Porque quando você está parado no farol, sempre tem um que buzina quando acende a luz verde? Não é incrível a coincidência? Pode prestar atenção. Acendeu o verde uma buzina toca. Isso quando não tocam várias ao mesmo tempo.

Estava eu indo pra casa depois de ir ao mercado, calma e tranqüilamente. Botei lá um CD do Caetano: ‘Fonte de mel nos olhos de gueixa...’, adoro o Caetano, e fui em disparada. Virei a esquina e mais um cinqüenta metros um semáforo fechado. Tudo vermelho. Parei, olhei no retrovisor, arrumei o cabelo e pensei que deveria procurar um dermatologista, pois minha pele estava horrível.

Cantarolava em dueto com o Caetano, mas com os olhos firmados na sinaleira. Engraçado como nessa hora você percebe as coisas. Vê os detalhes ao seu redor. A calça que o garoto estava usando tinha um buraco no joelho, mas só numa perna a outra estava normal, percebia-se que ele havia feito aquilo de propósito, ou rasgou sem querer, mas não era o modelo da calça. Onde já se viu, uma calça rasgada apenas numa perna? As paredes daquele bar estão precisando de uma mão de tinta... À minha esquerda os carros saem de uma via transversal e entram na via onde estou parada, mas a quantidade de carros é tanta que quando o semáforo fica verde, eu ando apenas uns dez metros e paro de novo. Tome mais buzinaço no ouvido. O Caetano se estivesse ao vivo pararia o show e teria pedido silêncio.

Já estava na terceira música do CD, mas ainda sem pressa e muito atenta ao trânsito. Era o segundo farol fechado que eu encontrara no caminho, e agora devia ter uns três ou quatro carros na minha frente. O verde aparece de novo, e o indelicado que estava atrás de mim dispara aquele som terrivelmente ensurdecedor. Poxa, não percebe que não adianta buzinar? Tá tudo parado! Enfim saímos e até com progresso, mas havia um último semáforo até que eu saísse daquela via e seguisse pra casa. Agora o percurso tinha se transformado numa via de duas pistas, e o cara que havia buzinado pra mim no semáforo anterior estava ao meu lado. Olhou pra mim, deu um sorriso e acenou com a cabeça. Eu aumentei o rádio e arrumei o cabelo de novo, e me distraí com os acordes da música que acabara de começar: ‘Debaixo dos caracóis dos seus cabelos...’, a trilha sonora daquele dia estava perfeita.

O farol abriu e quando olhei pro lado novamente, o cara deu um sinal de tchau no mesmo momento em que outro carro buzinou pra ele acordar e seguir. Quando foi sair, deixou o carro morrer, e ficou lá atrás. Simplesmente engatei uma primeira e saí olhando pelo retrovisor e ouvindo dois sons diferentes, um era o som das buzinas que soavam enlouquecidas para o cara que estava lá atrás atrapalhando o trânsito, o outro era mais uma vez o Caetano cantarolando no meu ouvido: ‘Alguma coisa acontece no meu coração, que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João...’. Vai entender esse trânsito louco, né?”