21/07/2010

AS HISTÓRIAS DO AMADEU - CUTÍCULA

Na manicure, a Marilda se lamenta porque não pode acompanhar o marido que foi fazer um exame de sangue. Logo ela que se achava tão companheira, tão próxima do parceiro, e tão disponível, desconfiou que o Amadeu não queria que ela fosse com ele.
- Neuza, o Amadeu anda meio estranho ultimamente, meio afastado, sabe. Tô sentindo ele meio distante. Não quer mais minha companhia pra nada. Cê acredita que outro dia ele foi sozinho no cinema?
- Nossa. Faz tanto tempo que não faço isso.
- O que? Ir no cinema?
- Não. Ir no cinema sozinha. Eu adoro!
- Que é isso Neuza? Você também? Pensei que era só aquele relapso do meu marido.
- Que nada. Ir no cinema sozinha é ótimo. Eu sempre fui. Mesmo depois de casada. O Paulo nem liga. Também, não gosta de cinema.
- Meu Deus! Como uma pessoa pode ir no cinema sozinha? Sem companhia, sem ninguém, sem passear de mãos dadas.
- Ah, Marilda. Eu vou no cinema é pra assistir o filme e não pra outras coisas. Namorar a gente namora em casa.
- E o romantismo mulher? Onde fica?
- Ah, minha filha! Não preciso ir no cinema pra ser romântica, não. Eu e o Paulo, a gente se completa em todos os sentidos, inclusive nos momentos em que estamos sozinhos, estamos um com o outro entende?
- Nossa Neuza, que palavras bonitas! Tô até com inveja.
- A gente tem uma sintonia muito forte sabe? A gente respeita o lado individual de cada um. Um dia, durante uma discussão quando a gente ainda namorava, ele virou pra mim e disse: “Neuza, eu tenho minha vida, você tem a sua e a gente tem a nossa. Se eu tiver uma vida feliz e você também, a nossa com certeza será”. Depois desse dia eu tive certeza que amava o Paulo.
A Marilda ficou emocionada com as palavras da manicure, e deixou escorrer uma lágrima. Ao tentar não enxugá-la, puxou a mão direita justo no momento que a Neuza apertava-lhe o alicate junto à cutícula do dedo médio. Ao ver o sangue no canto da unha, começou a passar mal e lembrou que o marido não estava ali ao seu lado. Entendeu que sua história era totalmente diferente da história da manicure. O seu casamento realmente estava acabando.

10/07/2010

BEM VINDO PUNHAL

Aquele amor não existia na vida real, era fantasia. Os corpos não podiam se encontrar por menos de três horas. Sentiam uma terrível falta um do outro quando se iam. Os toques, os beijos e os cheiros iam tomando proporções maiores que seus desejos. Quando estavam juntos, no apartamento ou em qualquer lugar que seja, eles não pensavam. As mãos que tocavam seu corpo eram as mesmas que moldavam a argila mole e úmida que se transformara num cálice pela manhã. Estava confirmada a possessão. Não havia nada de leve no clima. O ambiente era carregado, porém envolvente. Eles não pensavam. Entendiam que o amor era algo simples, que apenas fazia parte do dia, como o nascer do sol que não tem surpresas nem motivos. Apenas está lá. Então, num desses capítulos especiais da vida, em que tudo acontece, eles sentiram necessidade da distância. Da solidão entre si. E submeteram-se a um período de separação. Foram infindáveis duas horas sem se falar, mas ao primeiro toque do celular, as lamentações deram lugar ao coito. Como resistir? A pele suada exalava paixão e o sangue escorrendo dos ouvidos diagnosticava o derrame. Foi penosa a separação. Ele não resistiu. Ela, na lembrança dos momentos que viveram, mostrara-se feliz e tivera tempo de sorrir antes de apertar o gatilho.