Amadeu é um cara simples. Aposentado, acorda diariamente as 06:30 para sua caminhada diária. Vez por outra ele caminha acompanhado do Carlos, que tem duas pontes de safena e não suporta exercícios físico. Caminha por que é obrigado: “Odeio suar!”, diria ele. Depois de caminhar, os dois sempre vão à praça pra jogar um dominózinho amigo. O local é freqüentado por vários senhores aposentados, desempregados e afins, mas isso não incomoda o Amadeu, muito pelo contrário, o faz esquecer das chatices da Marilda, sua esposa.
Amadeu dia desses tava lá na praça jogando, e a Marilda foi lá falar com ele.
- Ei! Eu tô indo no mercado, você vem comigo?
- Vai indo que eu tô terminando aqui. Já eu te encontro lá.
- Nana, nana! Da última vez que você disse isso, tive que pagar vinte reais de taxi pra voltar! Vou esperar você aqui!
Risos na praça foram óbvios. Mesmo assim, Amadeu continuou jogando e só depois de terminar é que ele seguiu com a Marilda puxando o carrinho de feira.
- Você viu o preço do achocolatado? Tá pela hora da morte?
- Marilda, já estamos aqui à quarenta minutos e você não terminou suas compras. Vai levar o mercado todo, ou o quê?
- Nossa Amadeu, você tá cada dia mais chato. Típico comportamento de gente que não faz nada da vida. Já tô quase terminando, peraí.
Era assim todas as vezes em que o Amadeu não conseguia de safar da Marilda. Na relação, a Marilda era a comandante, e ele sempre tinha suas lamentações. Apesar de aposentado, o Amadeu era novo, tinha só 54 anos. Começou a trabalhar cedo, seu sua atividade profissional era insalubre. Trabalhou a vida inteira num laboratório de produtos químicos, por isso que ele tinha que caminhar. Recomendações médicas. A Marilda ele conheceu na firma. Ela trabalhava no “DP”. Com o tempo, foram se acostumando com a relação. Hoje, acostumados, o Amadeu vai fingindo que gosta da Marilda, e ela finge que acredita.
Três horas depois de ter ido ao mercado, volta o Amadeu pra praça.
- Como tá o jogo aí?
- Olha o cara aí! Consegui trazer tudo, ou teve que dar duas viagens? – disse o Carlos.
- É a Marilda. Num guento mais aquela mulher. Fica dando voltas e voltas. Passa um monte de vezes no mesmo corredor e não leva nada!
Cinco minutos de papo são suficientes para a Marilda aparecer de novo.
- Amadeu, preciso ir no açougue. A Valéria me disse que tem uma promoção ótima. Diz que o preço do lagarto tá muito bom. Tô pensando em fazer aquele assado com batatas.
Vocês precisavam ver a cara de espanto de todos, principalmente a do Amadeu. Ele não esperava que a Marilda falasse aquilo na frente de todo mundo, ainda mais, cinco minutos depois de ter chegado do mercado.
- Então tá! Vá lá e traga uma peça bem bonita.
- Nana, nana. Você vai comigo escolher. Aliás meu cartão do banco tá bloqueado e preciso que você vá no caixa eletrônico tirar dinheiro.
- Pega meu cartão e vai. Você sabe a senha.
- Você sabe que não gosto disso.
- Mas eu tô jogando! Quer dizer, eu vou jogar!
- Joga depois! Você vai jogar o dia todo mesmo. Não sai dessa praça! Vâmo lá vai!
Amadeu sabia que ela queria tirá-lo da jogatina, e estava usando uma desculpa atrás da outra pra conseguir o que queria. “Ela que vá pensando que me domina.” – disse pra si mesmo.
- Você vai preparar pro almoço ou pra janta?
- Pra janta. A Flavinha vai lá em casa com o namorado.
- E quanto você vai gastar?
- Sei lá, uns trinta reais.
- Então vai lá na minha carteira e pega cinqüenta logo.
- Mas você tem que me ajudar a trazer as outras coisas, o refrigerante...
- Pode deixar que quando eu sair daqui eu levo os refrigerantes.
Ela emudeceu, afinal, não tinha mais desculpas pra tirar o Amadeu dali.
- Tá bom! Vê se não demora. – e saiu andando.
Mais uma vez o Amadeu conseguiu escapar. Mas não era sempre assim, ele nem sempre ganhava. Era apenas mais uma batalha, e ele tinha certeza que vinha mais por aí.